Substâncias

No Dia Nacional de Combate ao Doping conheça um pouco da história da trapaça no esporte

Wladmir Paulino
Wladmir Paulino
Publicado em 15/01/2017 às 10:03
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Ben Johnson protagonizou o escândalo de doping mais famoso do mundo. / Foto: Divulgação

Ben Johnson protagonizou o escândalo de doping mais famoso do mundo. Foto: Divulgação

O Dia Nacional de Combate ao Doping foi instituído há apenas cinco anos. Muito mais uma data emblemática, a luta contra as substâncias proibidas no esporte mostra que as várias formas de trapaça, seja em esportes individuais ou coletivos, são bem mais antigas do que os mecanismos para erradicá-las. Talvez por isso ainda tenhamos que nos deparar com escândalos de tão grande escala como a Rússia, que envolveu o próprio governo e mais de mil atletas entre 2011 e 2015. A China, que investe pesado para se tornar uma potência esportiva, perdeu três medalhas de ouro no levantamento de peso feminino na Olimpíada que sediou (2008). Todas porque suas atletas competiram turbinadas.

Embora os mecanismos de combate estejam cada vez mais evoluídos - na mesma proporção que as iniciativas de mascaramento do doping - o ato de potencializar força, agilidade, concentração e resistência vai bem mais atrás na história. Antes mesmo da era Cristã. Nos Jogos Olímpicos da era antiga, cerca de 300 anos antes de Cristo, na Grécia, os atletas tomavam chás de ervas, cogumelos e comiam testículos de touro para aumentar a força. A guerra, que não deixava ser uma espécie de competição - bem mais radical, óbvio - também foi palco para experimentos de turbinamento.

Os vikings, quando partiam para conquistar o sul da Europa, aumentavam a força com bufoteina. Na dinastia Cheng, o imperador narrou o uso de uma planta que mais tarde seria a matriz da efedrina para estimular seus guerreiros. Mas a ambição por vencer em competiçõe sugiu no século XX, quando os Jogos Olímpicos da Era Moderna cresceram e tornaram-se não apenas um grande negócio, mas também vitrine política para muitos países. E, claro, a ciência evoluiu e conseguiu isolar e transformar diversas substâncias que, mais tarde, seriam usadas como otimizadoras de desempenho. Em 1919, um farmacêutico japonês chamado Ogata sintetizou a anfetamina, o mais famoso dos estimulantes. Os primeiros a usá-la foram atletas de ciclismo.

Em 1936, nos Jogos de Berlim, o ascendente Partido Nazista usaria o desempenho de seus atletas para propagar a suposta supremacia da raça ariana. Até porque foi na própria Alemanha que deu-se o que pode ser considerado o marco inicial de tudo. Em 1931 o químico Adolf Butenandt conseguiu isolar 15mg do hormônio masculino androsterona. Três anos depois, sintetizou-o artificialmente. Nos cinco anos seguintes, os farmacêuticos alemães descobriram outro hormônio mais forte, a testosterna, que pode ser considerado o 'pai' de todo doping.

Os primeiros testes foram aplicados nos solados alemães durante a Segunda Guerra. Eles tomavam o hormônio, sob prescrição de vitaminas, para aumentar a agressividade no campo de batalha. Os estudos posteriores de que era esse hormônio que aumentava a massa muscular levou-o para o esporte. Para se ter uma ideia de como as autoridades esportivas assistiram, inertes, o aumento do jogo sujo, os primeiros exames antidoping só foram autorizados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) a partir de 1967, após diversas denúncias de que muitos atletas competiram 'bombados' nos jogos de 1964, em Tóquio.

Mesmo assim, na Olimpíada seguinte, em 1968 (México) apenas o sueco Hans Liljenwall foi retirado da competição, mas por aparecer para competir embriagado. A demora para perceber o problema e enfrentá-lo fez com que muita gente saísse ganhando medalha a torto e a direito sob efeitos dos mais variados estimulantes e sair impune. A Federação Mundial de Ciclismo era um pouco mais rigorosa, pois desde o final da década de 1950 fazia análises.

Guerra Fria

A chamada Guerra Fria, que opôs o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, ao socialista, tendo à frente a União Soviética, terminou sendo o pano de fundo para uma disputa esportiva em que o doping impôs uma enorme sombra durante as décadas de 1970 e 1980. Apesar de muitos testes apontarem negativo, as suspeitas mantinham-se, até porque os exames caminhavam na mesma velocidade com que se conseguia burlar as regras, inclusive usando substâncias que ainda não eram consideradas doping para mascarar as que já estavam vetadas.

A antiga Alemanha Oriental adotava uma aberta política de doping para atletas a partir dos oito anos de idade. A ex-atleta Ines Geipel, revelou que era uma política de governo obrigatória. "Substâncias foram fornecidas a todos, desde crianças de oito anos de idade até a seleção de futebol. Eram cerca de 15 mil pessoas e nenhuma delas tinha alternativa. Não se podia dizer 'não vou fazer isso'", disse, numa entrevista em 2014. Muitas vezes os hormônios eram aplicados com o mesmo pretexto que os soldados alemães tomavam testosterna. "Os esportistas só ouviam 'você está treinando muito, precisa tomar essas vitaminas, elas irão ajudá-lo a se recuperar mais rápido'".

Ben Johnson

Mas a comunidade esportiva e médica só veio entrar definitivamente de cabeça na guerra ao doping no dia 24 de setembro de 1988. Nesta data, no Estádio Olímpico de Seul, o jamaicano naturalizado canadense Ben Johnson assustou o mundo ao vencer os 100m rasos com o tempo de 9s79. Algo que é tão impensável para a época que podemos comparar nos seguintes termos: Justin Gatlin fez essa marca ao conquistar o bronze nos Jogos de Londres em 2012. No dia seguinte, o exame acusou estanazolol em seu corpo. Uma droga muito utilizada por fisiculturistas para reduzir a quantidade de gordura no corpo e ganhar definição muscular. A partir dali, as iniciativas de combate ganharam maior vulto.

Àquela altura do campeonato a farra era tamanha que daqueles oito finalistas de Seul apenas dois nunca foram flagrados usando substâncias proibidas: Calvin Smith, que herdou o bronze após a desclassificação de Johnson; e o brasileiro Robson Caetano, quinto colocado. O que foi colocado em xeque posteriormente é que o canadense foi o conhecido 'boi de piranha'. Enquanto os olhos do mundo voltavam-se para o então homem mais rápido do mundo, uma fila interminável passava incólume.

Brasil

Se a guerra contra o doping no mundo ainda é tão difícil, no Brasil os obstáculos são ainda maiores. Um misto de falta de investimento e informação contribuem bastante para um cenário que foi levado definitivamente a sério somente às vésperas dos Jogos Olímpicos 2016, no Rio de Janeiro. Três anos antes das competições, a Agência Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), enviou questionários a 7 mil atletas beneficiados pelo programa Bolsa Atleta, do governo federal. O índice dos que respondiam nunca ter passado por um exame antidoping era assustador: 83%. Pode piorar? Pode, pois 92% deles alegaram desconhecimento de uma lista com as substâncias proibidas.

Por isso, a WADA, sigla em inglês para Agência Mundial Antidoping passou a monitorar o País no ano olímpico. Mesmo assim foi inevitável a decepção. A média de 370 testes por mês caiu para 110 no mês de julho, mês que antecedeu as Olimpíadas. Na época, o governo alegou que o descredenciamento do laboratório, no Rio, afetou o trabalho das coletas de sangue e urina.

Maurren Maggi deu a volta por cima após doping.

Maurren Maggi deu a volta por cima após doping.Foto: Brasil2016.

Grandes atletas brasileiros não fugiram à regra de ganhar alguma mancha pelo doping e eles vão desde o atletismo até lutadores de MMA, não deixando de passar pela maior paixão nacional, o futebol. O primeiro boleiro a ser flagrado foi o atacante Cosme da Silva Campos. Ele defendia o Atlético Mineiro em 1973 quando foi detectada efedrina em seu exame. A explicação foi uso de remédios prescritos pelo médico do clube. O primeiro caso de doping na seleção brasileira foi o do goleiro Zetti. Teve detectada cocaína após o jogo com a Bolívia, em La Paz, pelas Eliminatórias da Copa de 1994. Ele chegou a ser suspenso pela Fifa por alguns dias mas conseguiu provar que a substância era resultado do chá de coca, tomado para aliviar os efeitos da altitude.

Nadadora Rebeca Gusmão foi banida do esporte.

Nadadora Rebeca Gusmão foi banida do esporte.Foto: CBDA.

O ex-atacante Dodô foi pego com femproporex, substância usada para auxiliar na perda de peso, em 2007. E também foi uma prova da brandura do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Suspenso por 120 dias por uma das comissões, foi absolvido após 25 dias no julgamento do Pleno. A Fifa levou o caso à Corte Arbitral do Esporte (CAS) que o manteve longe dos gramados por dois anos. O atacante Jobson foi flagrado com cocaína no corpo. Admitindo ser usuário de crack, o jogador foi suspenso em 2010 e a WADA chegou a ameaçar banimento, mas o argumento da defesa de que se tratava de um dependente químico surtiu efeito. Em 2015, atuando na Arábia Saudita, negou-se a fazer um exame e pegou um gancho de quatro anos.

Na natação, o caso mais famoso foi o de Rebeca Gusmão. Pega duas vezes com testosterona acima do normal em 2008 terminou banida do Sport e obrigada a devolver as quatro medalhas conquistadas nos Jogos Pan-Americanos do ano anterior. César Cielo, recordista mundial dos 50m e 100m livre caiu no antidoping em 2011 com furosemida, que serve tanto para perda de peso como para encobrir outras substâncias. O nadador alegou que foi 'infectado' por um suplemento. A explicação foi aceita e ele liberado. Algo semelhante ao que aconteceu com a pernambucana Etiene Medeiros. Ela foi flagrada em maio de 2016, às vésperas da Olimpíada, com fenoterol. Alegou que ele estava presente num remédio contra a asma. A explicação também foi aceita.

No atletismo, cinco atletas tiveram exame positivo para eritropoietina no Mundial de Berlim, em 2009: Bruno Lins, Jorge Célio Sena, Josiane Tito, Lucimara Silvestre e Luciana Franca. Ficaram dois anos fora de circulação e os técnicos Jayme Netto e Inaldo Sena, que admitiram ter permitido o doping, foram banidos. O caso mais famoso, até pela volta por cima, foi o da saltadora Maurren Maggi. Flagrada com clostebol, ela explicou que se dopou sem saber com um creme após uma seção de depilação. Foi suspensa por dois anos, mas voltou com medalha de ouro no Pan de 2007 e nos Jogos de Pequim.

No vôlei, os ponteiros Jaqueline e Giba já tiveram a mancha do doping em suas carreiras. A primeira foi pega com sibutramina em 2007 e suspensa por nove meses. O antigo camisa 7 da seleção foi flagrado com maconha em 2002, mas a pena foi convertida em ajuda financeira a instituições de assistência a dependentes químicos. No MMA, a maior estrela brasileira, Anderson Silva, foi pego com drostanolona e androsterona num exame para o UFC 183. Disse que usou suplemento contaminado e um estimulante sexual. Foi multado em US$ 380 mil e um ano de suspensão.

Vítor Belfort já teve vários problemas com muita testosterona no corpo. Todas as explicações sob o argumento do hipogonadismo, uma baixa no hormônio que precisa ser reposta artificialmente, conhecida por TRT (Tratamento de Reposição de Testosterona). Em 2014 o UFC proibiu o tratamento. Wanderlei Silva chegou a fugir pela porta dos fundos da academia em julho de 2014 para evitar um teste-surpresa antes da luta com Chael Sonnen. Banido pela Comissão Atlética do Estado de Nevada (EUA) o lutador do Ultimate pela porta dos fundos também. 


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