Memória

'Gerente', Zito deu broncas em Pelé e ria com apelido de 'chulé'

Wladmir Paulino
Wladmir Paulino
Publicado em 15/06/2015 às 14:10
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Fez 57 gols em 726 partidas pelo Santos. Números altos para um volante e para um time que contava com o ataque mais forte do mundo naquela época. / Foto: CBF

Fez 57 gols em 726 partidas pelo Santos. Números altos para um volante e para um time que contava com o ataque mais forte do mundo naquela época. Foto: CBF

No Santos do Rei Pelé, as reverências entre os jogadores quase sempre eram feitas a Zito, que morreu na noite deste domingo (14), aos 82 anos, em Santos. Mesmo anos após os craques daquela época terem se aposentado, a reverência era mantida ao companheiro, natural de Roseira (SP), que nasceu em 8 de agosto de 1932, volante e capitão do time que empilhou títulos no Santos.

Certa vez, ao conceder uma entrevista para a Folha de S.Paulo ao lado de Pepe, a reportagem ouviu a seguinte recomendação do atacante, apelidado de "Canhão da Vila". "Deixa o capitão falar primeiro, os mais importantes falam primeiro. Depois eu falo", disse Pepe, que ganhou alguns tapinhas nas costas do amigo, que dava risada.

Outros companheiros de Santos também sempre lembravam do capitão em entrevistas. "Ele era o nosso líder em campo e fora dele, com conselhos", dizia o ponta-direita Dorval. "Ele era o capitão e tratava todos em condições iguais. Tinha nosso respeito e a confiança do Lula [técnico do Santos de 1954 a 1966]", afirmou o lateral esquerdo Dalmo, outro que morreu em 2015.

Apesar de não ter a mesma habilidade que Pelé, a mesma precisão na área que Coutinho nem o chute potente de Pepe, Zito é quem comandava o time em campo. Era o técnico dentro das quatro linhas -alguns dizem que até fora ajudava Lula-, o que valeu o apelido de "Gerente", dado pela imprensa da época.

Em 1963, na conquista do segundo título Mundial do Santos, Zito ficou fora dos dois jogos finais no Maracanã contra o Milan, da Itália, porque estava machucado. Ainda assim ajudou Lula a comandar o time do banco de reservas.

Dava broncas em todos os jogadores do time, do goleiro [jogou com Manga, Laércio, Gilmar, entre outros] a Pelé, oito anos mais novo e já a principal estrela do futebol brasileiro. Zito não gostava de ver o time relaxar. Mesmo quando o placar já indicava que seria praticamente impossível o adversário mudar o jogo, ele exigia seriedade.

Entre os companheiros, as broncas eram vistas como positivas, produtivas e, como costumam brincar quando estão juntos, uma forma de não abrir mão do "bicho" -a premiação- pelas vitórias. Zito também era visto como um volante moderno para sua época. Jogava praticamente fixo na marcação, uma vez que Mengálvio, seu companheiro a partir de 1960, era um meia ofensivo e quase sempre formava a linha de ataque com Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.

"Marcava, mas também saía para o jogo. Jogávamos sempre buscando o gol, com cinco atacantes. Mas às vezes o Zito virava um sexto homem no ataque", disse Pepe à Folha, em 2013.

Fez 57 gols em 726 partidas pelo Santos. Números altos para um volante e para um time que contava com o ataque mais forte do mundo naquela época. Jogou por 15 anos na equipe. Chegou em 1952, período em que o clube não ostentava o mesmo status dos rivais Corinthians, Palmeiras e São Paulo. Era a fase do jejum de títulos.

Ao sair, o Santos já tinha taças jamais pensadas pelos rivais, como bicampeonato da Copa Libertadores e do Mundial Interclubes. Zito foi ainda pentacampeão da Taça Brasil, tetracampeão do Torneio Rio-São Paulo e oito vezes vencedor do Campeonato Paulista com a camisa do Santos.

Ao deixar o Santos em 1967, passou a trabalhar no clube como técnico. Depois, virou dirigente, trabalhando nas categorias de base. Hoje, é exaltado por ter ajudado a encontrar talentos como Robinho, Diego e Neymar.

Além das glórias pelo Santos, foi bicampeão mundial pela seleção brasileira, em 1958 (Suécia) e em 1962 (Chile). Inclusive, marcou o gol da virada sobre a Checoslováquia na final -a vitória foi por 3 a 1. Jogou na seleção de 1956 a 1966.

DESCONTRAÇÃO
Apesar da fama de durão, Zito adorava as brincadeiras comuns naquele time do Santos. Havia os famosos rachões -partidas recreativas durante os treinos- entre os jogadores negros, como Pelé, Coutinho, Dorval e Lima, contra os brancos, formado por Pepe, Zito, Dalmo e Gilmar. As disputas eram sempre acirradas. Ninguém gostava da derrota nem a aceitava.

Outro passatempo eram os jogos de carta durante as concentrações, alguns duravam até o início do outro dia e envolvia até o técnico Lula. O time do Santos também contava com muitos jovens e eles não deixavam Zito fora das brincadeiras. Foi assim que ganhou o apelido "Chulé", por motivos óbvios.

Até mesmo nos reencontros com os companheiros muitos anos depois era comum chamarem ele de capitão e de "Chulé". Sempre dava uma risada. Já o apelido mais famoso, José Ely de Miranda carrega desde a infância. Chamado de Joselito pelos pais, logo virou Zito.

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